quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

O caminho e o destino


  O destino é um homem embriagado andando em uma corda bamba para atravessar o precipício. O bêbado percorre o caminho ininterruptamente a frente. Ora tropeça, ora se equilibra. Às vezes, depara-se com intervenções naturais como chuva, vento fortes e altas temperaturas. As intervenções desse tipo aparecem com a presença de decisões a serem tomadas. Dependendo do rumo escolhido, o homem embriagado entorta parcialmente para a direita ou para a esquerda, tentando buscar o equilíbrio que só será concretizado quando a questão temporal for estabilizada e o novo rumo decidido, voltando o homem a percorrer seu caminho delicado.

   Muitos afirmam a respeito da predestinação. Nós, indivíduos, estaríamos já, antes de qualquer atitude, destinados a determinados acontecimentos, aquisição de doenças ou outros fatores que venham ocorrer, independente de nossas atitudes. Todavia, não vejo o destino desvinculado das decisões humanas. Nosso comportamento molda a todo segundo uma nova rota a ser seguida. Porém, esse novo caminho continua sofrendo influências de algo maior provavelmente proposto anteriormente. 

  A cada segundo, fazemos uma ação. Essa ação, por conseguinte, terá, naturalmente, uma reação. E assim funciona o caminho a ser trilhado por cada um. Um pé atrás do outro, como o homem embriagado, mirando a frente um futuro incerto, e, abaixo, o vazio, a ausência, ao cair no abismo. Caso não haja atitude perante a um momento decisivo, o bêbado fica parado, sofrendo as consequências do tempo adverso. Dessa forma, ele pouco demoraria a cair do precipício. É desagradável deixar o homem a deriva no vale. A vida paralisa. Sendo, consequentemente, impossível retomar a caminhada sem ousadia.
    Em suma, as decisões são inevitáveis, apesar de desagradáveis. O destino, mesmo silencioso, também está sempre presente. Restando, por fim, a disposição de cada um em deixar o homem equilibrado na corda, para, assim, seguir em frente no caminho tortuoso, evitando que ele caia do precipício ou intercale a posição de seu corpo da direita para a esquerda. 
     Entretanto... como é difícil manter o bêbado em equilíbrio!


sábado, 23 de janeiro de 2016

Parte e todo




"Preocupado com uma única folha,você não verá a árvore.Preocupado com uma única árvore você não perceberá toda a floresta. Não se preocupe com um único ponto. Veja tudo em sua plenitude sem se esforçar." - Monge Takuan - mangá Vagabond
   O fragmento acima foi retirado do mangá Vagabond, que faz uma adaptação da história do famoso samurai Miyamoto Musashi. Durante a trajetória da vida do guerreiro, um monge o acompanhou, ensinando e desenvolvendo suas características, com o objetivo de aprimorá-lo na arte da espada. 
   Essa frase em destaque é marcante na obra, da qual pode-se retirar a essência budista, a prática de observação, com o reconhecimento da realidade como ela é. Apesar de parecer simples, muitos obstáculos impedem os seres humanos de verem o todo, ou sentirem-se pertencentes a ele.
  Uma das dificuldades da meditação é manter-se focado no presente, no que realmente está acontecendo a sua volta naquele momento. A mente divaga, os pensamentos vão para o futuro, passado, imaginam situações hipotéticas. E, assim, esquece-se de sentir a respiração do corpo, os pássaros cantando na rua afora, o som da madeira dilatando, o cheiro de incenso. Tudo isso ocorre devido ao foco estar nos pensamentos, ou em uma ação específica. Nós não possuímos falta de atenção, mas sim, atenção demais em um único objetivo. Por exemplo, uma pessoa sai a rua para ir à padaria, contudo, quando passa pela calçada, pouco antes de chegar ao seu destino, não repara em um morador de rua estendido no chão. Aquela situação é algo triste, porém frequente. Entretanto, a pessoa está concentrada em ir à padaria, e, muitas vezes, não reflete ou até mesmo observa aquele indivíduo. 
    Esses fatos acontecem, não porque o ser humano é ruim, mas faz parte de sua natureza. Sua mente, relacionando a frase inicial, fica preocupada com uma única folha, deixando de ver a árvore e consequentemente a floresta. Além disso, perante a tantos sofrimentos ao redor, muitos evitam se atentar aos fatores que os cercam. Ignorar para não sofrer. Sofrer para ignorar. É complicada nossa atitude impotente. Se observamos o todo e tentarmos mudá-lo, iremos encontrar inúmeras dificuldades, e muitas vezes, não será obtido sucesso, pois organizações muito maiores controlam praticamente os interesses nacionais.  
   Uma das únicas formas de tentar melhorarmos a atualidade é observar o todo, analisá-lo e ver de que forma a sua mudança individual pode fazer a diferença. Por pequena que seja será parte de algo, significativa para até os menores dos seres. Uma folha de uma árvore, uma árvore na floresta, uma floresta no todo.  

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Murakami e a óptica da vida


   Há alguns meses atrás li minha primeira obra do famoso autor japonês Haruki Murakami, "O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação". Como admiradora da cultura oriental, além de curiosa a respeito do estilo de sua escrita, que originou tanto sucesso, não só no Japão, mas internacionalmente, resolvi investir na leitura desse livro. 
   A linha geral da história é bem simples, o protagonista, Tsukuru Tazaki é um homem solitário que trabalha projetando as linhas de metrô de Tóquio. Apesar de sua condição econômica ser estável, ele ainda é perseguido por um trauma do passado: ser excluído, inexplicavelmente, de um grupo de amigos e nunca mais vê-los. Com o incentivo de sua namorada, Sara, ele resolve reencontrar seus amigos, a fim de compreender o porquê da súbita separação dos demais, construindo, ao longo da narrativa, sua própria identidade.
  Para o leitor acostumado com explicações e finais concluídos, como eu estou acostumada a encontrar na maioria dos livros, existirá uma breve frustração ao terminar de ler as últimas palavras impressas. Muitos pontos são soltos na narrativa e não são conectados, ficando suspensos. Além desses pontos, os sonhos descritos do personagem principal chegam a misturar-se com a realidade, sendo possível elaborar suposições baseadas nas fantasias de Tsukuru, desvendadas durante suas noites de sono. 
   Por um lado, tais pontos em abertos impulsionaram minha leitura até o fim, por outro, foram motivo de irritação. Intrigada, comecei a refletir sobre o motivo do autor, tão famoso internacionalmente, ter deixado sua história com diversos pontos de interrogação. Pensei a respeito e não demorei para achar uma resposta. A história se tratava, praticamente, sobre a vida de Tazaki. Foi demonstrado, sutilmente, a maneira como ele superaria o passado, seguiria adiante e conquistaria maior segurança sobre si mesmo. Assim, levando em consideração esse aspecto, a interpretação adequada não seria simplesmente a falta de criatividade do autor em amarrar a narrativa, ou preguiça, mas sim, a mensagem sutil de que os seres humanos nunca terão respostas para todos os acontecimentos inseridos em suas vidas. Muitas ações de amigos no passado continuarão sem qualquer sentido,  da mesma forma com as perdas de oportunidades e o afastamento de pessoas antes próximas. Aliás, o futuro também é motivo para interrogações. Afinal, ele nada mais é que a própria dúvida.
   Por fim, conclui-se: durante o caminho, vários pontos ficarão em aberto. E, infelizmente, na maioria das vezes, não conseguiremos amarrá-los adequadamente. Basta apenas seguir em frente, sem querer compreender todos os detalhes e abraçar o planeta solitariamente. Pois, como disse Carlos Drummond de Andrade, em "Sentimentos do mundo", "(...) tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo", ou seja, somos incapazes de, sozinhos, entendermos tudo e salvarmos a todos. Será, invariavelmente, difícil a compreensão total da vida, como muitas religiões buscam, do destino, e dos sentimentos que cercam as pessoas ao nosso redor, sempre inconstantes. 

Tigres de papel e diamantes incompletos



   Após as comemorações com a queda do muro de Berlim em 1989 - fim da guerra fria - o capitalismo e o modelo consumista expandiram-se pelo mundo. Por conseguinte, existiram transformações nos valores morais,  como a valorização da imagem, sendo essas características presentes na sociedade,  a ponto de serem consideradas inerentes aos seres humanos. Transformando, como consequência, a maioria dos indivíduos da atualidade em tigres de papel e diamantes.
   O culto à aparência, a ânsia pelo acúmulo de dinheiro e poder de consumo são alguns dos elementos que promoveram mudanças na ética e nos valores morais como apresenta Bauman em seu livro "modernidade líquida", o capitalismo fomenta uma sociedade de relações efêmeras, ainda mais com o com o amplo sistema informacional de rápida divulgação. Tudo é acelerado, passageiro. 
   Não demoraria muito para surgir uma espécie de narcisismo em menor escala. Muitos estão trocando o ser (essência) pelo ter (matéria). As selfies, com sucesso comprovado nas redes sociais como instagram, facebook, e snapchat suprem essa necessidade de idolatria da imagem, permitindo todos terem seus minutos de fama. Lógico, não é de todo ruim. Analisando o lado positivo, as selfies podem auxiliar e melhorar a autoestima de diversas pessoas, porém, ultimamente têm se tornado um vício, capaz até de gerar acidentes como foi o caso recente do casal de médicos que, ao quererem tirar um selfie, caíram da varanda da pousada.
   Dessa forma, percebe-se que os indivíduos tendem a ser muito fortes aparentemente, exibindo beleza e dinheiro, contudo, são tigres de papel que na primeira chuva irão ser desmanchados pela água. Assim como diamantes incompletos, belos e brilhantes por fora, mas, por dentro, ainda brutos, sem polimento. Isso pode ser confirmado por pesquisas que apontam a depressão para a principal doença do futuro.
   Em suma, a sociedade precisa despertar para os acontecimentos presentes na vida cotidiana, revendo a moral vigente, não permitindo a difusão de valores negativos entre os indivíduos, de forma que os façam esquecer de polir por completo o diamante.

sábado, 16 de janeiro de 2016

A dualidade da arte


    Afinal, qual a definição de arte? Para que ela serve, ou a quem serve?
  Tais questionamentos foram levantados ano passado durante minhas aulas do curso técnico de música, contudo, essa não foi uma discussão exclusiva daquele ambiente, muitas pessoas ainda procuram entender o seu significado, além dos arredores de uma escola. Porém, dificilmente será possível formular uma conclusão exata, devido a complexidade dos elementos envolvidos.
 Até mesmo muitos pensadores já entraram em contradição sobre esse tema. Percorrendo superficialmente o ramo da filosofia, Platão, apesar de não envolver muito o fazer artístico como tema principal de seus estudos, afirmou: "A arte é imitação", entregando a humanidade uma definição parcial do assunto. Conquanto, Aristóteles afirmava o inverso, apesar da arte ser uma cópia da realidade, ela não deveria ser ignorada, pois constituía uma forma de conhecimento e reflexão. 
   Acredito, em minha modesta posição, que a arte compõe-se da mistura. Pode perfeitamente retratar a realidade, e, ao mesmo tempo contrapor-se a mesma. 
   Enfim, naquela aula de apenas cinquenta minutos, ouvi algo semelhante a: "A arte não serve a ninguém". De imediato, conclui que a arte era inútil em sua essência. Doí dizer isso, quando falta explicações. Mas faz todo o sentido. Quando se escuta um colega, amigo, parente, independente de quem for, dizer que aquele livro ou certa música mudou a vida dele, na realidade, não passa de uma ilusão, responsabilizando, inconscientemente, sua mudança significativa para a obra em si. A única forma de mudar a si mesmo deriva da vontade pessoal. A transformação de seus atos trata-se um processo interno, apesar de sofrer influencias externas. Assim, nesse caso, a arte é apenas o impulso para as modificações.
    Além desses significado qual havia atribuído, outro foi enfatizado, relacionado ao trabalho crítico. Apesar das questões técnicas envolvidas, é algo muito subjetivo, porque, um mesmo filme, texto ou quadro, pode conter diferentes interpretações dependendo de quem irá analisá-lo. Por isso a frase: "A arte não serve a ninguém." A partir do momento que ela foi feita e divulgada, seu significado estará livre a diversas análises, dependendo dos conhecimentos diferentes agregados a cada indivíduo. Ela é pura por si só. Não muito se distingue a vida. Uma única vida, com diversos sentidos atribuídos.  
   Logo, essa pequena frase faz referencia a diferentes conceitos simultaneamente. Cabe, caro leitor, a cada um buscar sua forma de enxergar as produções artísticas, assim como inúmeras situações cotidianas, sejam elas boas ou ruins. Portanto, terminarei esse texto usando outras palavras, contudo praticamente semelhantes ao início: "O que é arte?", ou melhor, "O que é arte para você?".
   
    

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

O zafu



     O vazio é a forma, a forma é o vazio, relembrei ao mirar o objeto à minha frente. 
   Ontem, adquiri meu primeiro zafu (almofada para meditação). Recebi em mãos, logo após o pagamento, apenas um tecido costurado, sem preenchimento, todo vazio. Assim, veio a orientação: para que ele fosse usado eu deveria enchê-lo de estopa. Sem tardar, arrumei o material necessário e comecei a ajeitá-lo. Sentei na cama, concentrando-me na atividade do momento, única e importante naqueles minutos. 
   Foi algo simples, ao mesmo tempo, diferente. Com o advento da modernidade, surgimento de novas formas de tecnologia, as pessoas estão acostumadas a receberem tudo pronto, perfeito para o uso. Tudo tem de ser prático. Afinal, o ambiente urbano exige fluidez, agilidade, sem muitas vezes pararmos para respirar e observar nossa própria vida, como estamos agindo no presente. O ser humano esgota-se com a preocupação excessiva sobre o futuro, ainda mais em momento de crise econômica como o país começa a enfrentar agora, esquecendo-se das coisas mais belas que acontecem perante seus olhos, entretanto que são ignoradas. Compramos almofadas já enchidas, roupas costuradas, estojos, carteiras... absolutamente a maior parte daquilo que consumimos está feito, restando-nos apenas a capacidade de utilizar e, por conseguinte, descartar esses produtos,  quando esses não forem mais útil. 
   É passível, até mesmo, fazer-se uma analogia relacionada a esse tema. A sociedade atual anseia os relacionamentos, o emprego dos sonhos, a faculdade tão esperada, de forma simples, enquanto, na realidade, relacionamentos, estudos para passar na universidade e no trabalho ansiado, levam tempo e dedicação para serem construídos, exatamente da mesma maneira como enche-se o zafu.
   Portanto, utilizar parte de meu tempo, geralmente curto, dessa forma, foi no mínimo gratificante. Um período usado não para refletir sobre o passado, futuro, ou quaisquer outros assuntos naqueles instantes, mas sim, para concretizar um pequeno ato. Como ouvi dizer, fazia parte da prática. O fato de sentar-me, prestar atenção em uma atitude consistente e fazê-la corretamente, era também uma forma de dedicar aqueles minutos a mim mesma. Foi satisfatório ver ao término o zafu pronto para o uso, qual meus próprios dedos contribuíram para a construção de sua forma, apesar de pequena minha intervenção. Posteriormente, será ele, a parede e eu, nada além, nada menos, apenas a existência do momento.



domingo, 10 de janeiro de 2016

A cela

       Não havia nada além de quatro paredes escuras a cercarem-me. Uma pequena janela localizava-se acima do beliche antigo ocupado por mim e meu companheiro de cela. Como não havia nada além de nossa imunda existência, também nada fazíamos. Ali, remoía meu íntimo preenchido  de pensamentos que conduziam à minha solidão. "Eu não deveria estar naquele lugar", pensava frequentemente. O que havia feito de errado, afinal? Somente resgatava dos resquícios de minhas memórias vozes alheias, quais refletiram em meus olhos a acusação de um assassino. Entretanto, nem mesmo minha própria pessoa sabia da existência de uma vítima, pela qual meu nome fora difamado. Seria eu mesmo? Não... dos olhares chamuscados pela vingança não me restavam dúvidas. Eu era um assassino... Ou será que não? O que teria feito aquele monte de carne composta por células e um cérebro que me martirizava todos os dias? 
       Meu peito já contentava-se com uma esperança morta, sem possibilidade de recompô-la. Apenas o desejo de ter a certeza sobre meu passado revirava dentro de mim, como se fosse uma cascata de água a escorrer barulhenta e sem sentido. 
     Conquanto, a tranquilidade exterior se extinguiu antes do previsto. Em um dia teoricamente tedioso dentre muitos outros, antes que eu soubesse se dentro de mim haveria mesmo um homem ou um monstro, o cárcere me chamou. Fui conduzido através  do corredor estreito e sujo pelo qual jamais gostaria de ver. Escutava, ,durante a breve caminhada, os murmúrios vindos dos bandidos presos em outras celas. E, conforme cada passo prosseguia, o ar parecia tornar-se rarefeito e as algemas em minhas mãos ficaram mais pesadas do que realmente eram.
    Entrei em uma pequena sala. Rapidamente, meus olhos avistaram o brilho da luz do sol que adentrava pela porta do fundo daquele local. Senti, observando ao longe, por breves segundos, paz. Minha mente silenciou-se. Por conseguinte, uma moça, enfermeira, deitou-me na maca e uma injeção apagou o restante de minha vida vazia. Presenteando meu corpo e mente com a liberdade de um sono profundo.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

O embrião da competitividade

          Aniversário de criança. Um dia muito especial para os pequenos, entretidos pela brincadeira, e, por mais estranho que soe, para os adultos também. Para os adultos? Sim, a comida e bebida lhes interessa absurdamente. Entretanto, além disso, como ser humano e escritora amadora, uma atitude básica e simples que efetuei inconscientemente em determinada festa foi a arte da observação.  
       Era aniversário de meu primo de seus poucos seis anos. A festa correu bem e nada de ruim aconteceu. Porém, um fato imperceptível aos olhos alheios incomodou-me após o parabéns. Estourar o esperado “balão”. Aquela enorme bexiga colorida pendurada no teto, densa, dotada de inúmeros doces para a alegria dos pequeninos. Rapidamente, uma aglomeração surgiu ao entorno da atração. Todos buscavam se posicionar em uma posição privilegiada, para  que quando as balas e doces caíssem as crianças pudessem agarrar desesperadamente ao máximo de alimentos que conseguissem. Boom! Balas, chicletes, pirulitos e chocolates vieram abaixo. Inicialmente, diversas mãos  ergueram-se para cima, umas por cima das outras — vantagem considerável para as crianças com alguns centímetros maior que a altura da média. Em segundos, após o término da queda e as embalagens coloridas ficarem esticadas e expostas ao chão, todos atacaram buscando arrecadar sua parcela da recompensa.
       Pronto! Aqui está exposto, em uma simples atitude, o sistema vigente que nos comanda, o capitalismo, a sociedade meritocrática. Cada criança receberia ali a quantidade adequada ao seu teórico esforço para sair com as mãos unidas, preenchidas de balas e sorrisos nos rostos. Contudo, muitos que se esforçaram igualmente, não conseguiram a mesma recompensa, devido a inúmeros fatores, sejam eles a altura que permitiu dificuldade perante aos outros, a idade e sua posição( mais próximo ou afastado do balão). Naquele local, tais crianças, mesmo  sem saberem a proporção de suas atitudes, aparentemente singelas, estavam concretizando o conceito, encaminhando o desenvolvimento do embrião da sociedade competitiva a que somos subjugados culturalmente e socialmente.
       Porém, nem tudo estava perdido naquela cena, qual poderia ser considerada uma destruição a consciência de união das crianças. Ao fim da disputa, algumas crianças, poucas, entregavam aos pais as balas que nem  cabiam  mais na palma da mão, transbordavam. Em contrapartida, outras viam-se amuadas em um canto, com no máximo três balas entre os dedos. Meio a esse cenário, uma participação importante entrou em ação. Um dos pais, vendo o filho com balas demais para serem consumidas somente por ele, disse ao menino que doasse, compartilhasse um pouco de suas guloseimas com uma menininha decepcionada por ter pego pouco daquela bexiga. E assim foi feito.
   Ao assistir a cena do repartir com o outro, um alivio breve permeou minha consciência.
   Não interprete, assim, caro leitor, de maneira errônea esse pequeno texto, pois não há nenhum apoio a governos socialistas ou comunistas em sua conclusão. Existe, com toda certeza, a vontade de mostrar o quanto nossa forma de organização é injusta e como isso se insere em pequenas ações cotidianas. Ademais, a atitude do pai, junto ao filho, demonstra a resistência de minorias a favor de algo mais justo, igualitário, de acesso a todos. Deve-se, portanto, notar aquilo que está implícito em cada ação para transformá-la, impedindo a perpetuação de embriões como esse.