quarta-feira, 6 de abril de 2016

Encontro com o inesperado

Era uma singela casa de esquina com o símbolo do OHM grifado na parede exterior. Entramos eu, minha mãe e minha avó . Havia uma pequena escada e todos os sapatos eram deixados ali na entrada. Após subir os pequenos degraus, avistamos uma sala em que a superfície do chão era feita de um piso marrom bem encerado. Ao fundo, no centro do lugar, via-se o instrumento indiano harmônio. Do seu lado direito, estava posicionado outro instrumento, este de percussão. Logo, nos sentamos em sequência, eu, mais próxima ao instrumento, minha mãe e minha avó.
        A celebração iniciou com muita música. Um dos devotos sentou-se próximo ao instrumento e fez os acordes, cantando junto com todos os outros ali presentes, ora sozinho, ora em grupo. Para uma musicista, logicamente aquele momento não teria como ser ruim. Sentar em roda, cantar mantras e tocar direcionado a Deus de bondade e amor. Por aqueles momentos, pude sentir-me integrada com aquelas pessoas, quais estavam sentadas em círculo. Acreditei haver ainda esperança para todo o caos de nosso país e de valores humanos transmitidos hoje. O mais importante, senti-me em plenitude com algo superior. Imaginava o quanto Krishna estaria satisfeito em nos ouvir ali fazendo música em seu nome.  
  Entretanto, tempo indeterminado depois, todos aqueles sentimentos de integridade com os outros seres foram interrompidos bruscamente. Observei a formação de um possível teste para minha própria consciência. Uma aranha, parecida com aquelas brancas, mas com centro do corpo preto, vinha em minha direção. O que poderia fazer? Estava sentada no chão, sem nenhum utensílio em mãos para afastá-la. Minha atenção voltou-se de forma íntegra ao inseto, vindo initerruptamente para o simples local onde permanecia quieta. Imediatamente, pensei, tentando encontrar uma forma de reverter a situação o mais rápido possível: “Não tenho nenhum chinelo em mãos para matar essa aranha, e agora? ”.
     Meu primeiro pensamento, entretanto, já denegria todos os princípios ali estipulados. Estava eu, no meio dos seguidores de Hare Krishna, que não promovem violência a nenhum ser vivo, planejando justamente em como praticar uma violência, por mais inconsciente e intrínseca intenção. Antes de relembrar esse fato importantíssimo peguei a espécie de “tapete” em que estava sentada e pressionei contra a aranha, estando ela já bem próxima de meu corpo. Segundos após esse ato, vi o rapaz qual tocava os mantras observar-me fixamente e relembrei, sentindo-me inteiramente envergonhada e culpada: eu estava no meio dos Hare Krishna!Contudo, ao voltar a visão para minha calça vi a aranha pendurada no tecido de minhas vestes. Balancei-o rapidamente e vi o aracnídeo andar para o lado de minha mãe. Ela afastou as pernas e permitiu que a aranha passasse, alertando minha avó do obstáculo qual enfrentávamos. Porém, ela deixou de ressaltar muito a situação incômoda e deu um empurrão com a mão no aracnídeo para o lado e essa seguiu seu rumo.
    Aquela pequena aranha conseguiu tirar-me do conforto momentâneo, fazendo com que me sentisse realmente cruel. Qual a linha tênue da bondade e compaixão?  Naquele ambiente, apesar de já vegetariana, tal instante parecia ter revelado a natureza ruim e instintiva do ser humano, estando ela presente em meu íntimo, moldada pelos valores da atualidade, na qual o respeito, sobretudo pelo próprio planeta, por outros seres e pela natureza é suprimido constantemente.  
     Quando vemos algo que nos incomoda, a reação direta a essa causa é afastar, esquecer ou destruir esse algo, julgando a não avaliação prévia de nossas atitudes. Isso não nos torna mais humanos... são apenas instintos. Os animais são assim, movidos pelas sensações e puramente pelo instinto. Porém, sendo ressaltado por muitas religiões, nós somos os mais propícios a encontrarem o caminho a ser seguido para despertar a pureza de nossos corações, todavia, é necessário o controle de nossos pensamentos, da nossa mente, demasiada inquieta e impenetrável quando alguém se recusa a fazê-la ser controlável. Muitas de nossas ações ficam sob a obscuridade do instinto, do cômodo.
      Possivelmente, eu precisava daquela quebra de harmonia ao ver a aranha naquele momento. Um dos motivos poderia ser para prestar atenção em minhas atitudes, muitas vezes tomadas de forma automática, devido a correria do cotidiano, e, assim, tentar buscar uma nova visão sobre o mundo e seus habitantes, por mais estranhos e incompreensíveis que alguns possam parecer a mim.
   Nesse caso, matar uma aranha talvez não prejudicial, sem motivos aparentes, por medo e nojo é muito comum e praticado entre as pessoas fora daquele meio. Todavia, quando estive inserida naquele contexto e me deparei com aquele ser vivo, foi como se tivesse sido a primeira vez, mostrando-me, por fim, a abusiva ofensa que quase executei. Felizmente, a aranha saiu viva! Felizmente...

segunda-feira, 4 de abril de 2016

O delírio da mente

   Desistir de algo ou alguém é mais difícil do que conquistar. 


     Muitas vezes em nossas vidas temos que abdicar de um emprego, lazer ou até mesmo de um relacionamento decadente. Entretanto, a renúncia é, certamente, uma das maiores dificuldades do ser humano. Considero-a mais complexa quando comparada com a realização de um objetivo. É preciso coragem para assumir os riscos de simplesmente deixar-se ser livre, de abandonar. Não se limitar a alcançar determinado destino, existindo a possibilidade de ter-se tantas outras experiências diferentes. 
       O agarrar-se. O apego a alguma ideia. Isso é paradoxal com a nossa própria natureza, nós somos mutáveis a cada segundo. Nossos pensamentos nunca serão os mesmos, cada dia nunca será igual ao outro, por mais idênticas que sejam nossas atitudes. Nota-se isso, bem claramente para mim, na prática de meditação zazen. O modo de praticar sempre será igual, porém, ao mesmo tempo, diferente. A percepção muda, pois a visão sobre a realidade está modificada, assim como os valores interiores de cada um. 
      Mesmo sabendo de todos esses fatos, a abdicação talvez seja um dos maiores desafios humanos, compreender a instabilidade de todos os seres, inclusive da própria mente e aceitá-la. Entender que o passado não retorna a nós, ele torna-se apenas uma projeção mental, entender que diversas vezes erramos, pensamos estar no caminho certo, mas, de repente, você percebe estar fazendo algo incoerente com a sua própria personalidade e habilidade, apesar de amar aquilo. A incoerência também se faz presente aos indivíduos quais amam alguém responsável por suas lágrimas e tendem a manter o relacionamento. Insistem, apesar de serem conscientes que aquilo os machuca.  
     Todavia, na maior parte da vida é mais cômodo ficar, em vez de ir. Seguindo, assim, um caminho interminável de apego... de insistência inútil. 
   Insistimos em rancor, mágoas, memórias, tempos de outrora, quais, de fato, não irão retornar. Apenas fazem mal, removem os pensamentos, as emoções e o corpo. E nos lembram, constantemente: o rio tem somente um único curso contínuo. É impossível lutarmos contra a correnteza...
     Mesmo assim, somos humanos, continuamos a bater os braços e as pernas incessavelmente, engolimos água, entregamos-nos àquilo, esquecendo-se dos malefícios futuros. Contudo, sem muita demora, a fadiga nos atinge. 
   Os braços e as penas diminuem o ritmo. O indivíduo lentamente se entrega e retoma o fluxo da vida.
     O cansaço do corpo, por fim, venceu o delírio da mente.